Tanto as pessoas que vêm de outras cidades para fazer tratamento contra câncer como motoristas que os levam para a capital não têm local adequado para descanso, alimentação e higiene
Há seis meses, Geralda Carvalho de Souza, 48, iniciou uma nova etapa do tratamento de câncer de pâncreas em Belo Horizonte. Ela mora em Ipatinga, a 300 quilômetros da capital. Para chegar às 6h para colher os exames, no Hospital das Clínicas da UFMG, ela precisa sair a 1h da manhã de casa. A rotina de idas e vindas é semanal.
“Acordei meia noite e meia, peguei meus passageiros para embarcar a 1h, cheguei por volta das 5h30, e distribuí o pessoal”, relata o motorista Breno Henrique da Silva, 28. Há quatro anos, ele trabalha transportando pacientes de Abaeté, no Centro-Oeste de Minas, para Belo Horizonte. O profissional também convive diariamente com o desconforto e as longas esperas dentro de carros parados em vias públicas, a região hospitalar.
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“Aqui, quem chegou primeiro estaciona, se chegou mais tarde tem que procurar outro canto para estacionar. Porque o pessoal da Guarda Municipal para e tira foto das placas”, comenta.
A Praça Hugo Werneck, na região hospitalar, é um dos pontos de parada para dezenas de veículos que vêm todos os dias trazer pacientes para fazer tratamento na capital. Os trabalhadores não têm um local para descanso, nem higiene. O motorista José Geraldo Correia, 51, de Maravilhas, na Região Central de Minas, passa por esse perrengue diariamente. “Não tem conforto, não tem nada, nem banheiro. O carro fica aqui, a polícia passa e multa. E quem paga a multa é o motorista”, diz o profissional. Segundo Geraldo, ele levou duas autuações no último mês.
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Desafios da gratuidade
Conseguir a gratuidade do transporte de Ipatinga para Belo Horizonte foi desafiador. A cada viagem para a capital, Geralda de Souza gastava em média R$ 700. O transporte gratuito pela prefeitura só se tornou realidade seis meses após o início do tratamento.
“Muita gente morre por não ter esse acesso. Por não ter essa coragem de sair correndo atrás. Eu já briguei com o prefeito, com o secretário, senão, eu não estaria aqui”, lembra.
Apesar da ausência de legislação específica sobre o direito e gratuidade do transporte a pacientes em tratamento de saúde, principalmente quando ocorre fora do domicílio, o papel fica com as prefeituras. E o Estado ajuda a pagar a conta. Em 2022, o governo mineiro transferiu R$ 301 milhões para os fundos municipais de saúde, como recurso de custeio, beneficiando os 853 municípios mineiros.
A verba não pode ser usada para aquisição de veículos. Para equacionar a lacuna, a Secretaria de Estado de Saúde disse estar preparando uma resolução para viabilizar o repasse de recursos para a compra dos veículos para transporte dos pacientes.
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Risco do abandono de tratamento
Nos casos que envolvem quimioterapia ou radioterapia - intervenções comuns na linha de tratamento do câncer -, a frequência de idas e vindas ao hospital pode ser diária.
Faltar a uma sessão do tratamento pode reduzir as chances de cura. “A gente sabe que uma quimioterapia deve ser feita a cada três semanas. Quando ela é feita a cada quatro semanas, vai trazer uma redução em torno de 30% da intensidade da dose”, explica Gelcio Luiz Quintella, coordenador de Assistência do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
No caso da radioterapia, o tratamento é ainda mais intensivo. “A regra é o paciente ter de ir ao centro de radioterapia, em média, entre 15 a 20 sessões. E essas sessões são consecutivas em dias úteis. No mundo inteiro, é realizada cinco vezes por semana, de segunda a sexta”, acrescenta Marcus Simões Castilho, presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia.
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Tragédia e superação
Geralda conseguiu vencer as etapas do tratamento do câncer. Fez um transplante de pâncreas e se recupera bem, apesar dos desconfortos no deslocamento semanal para fazer o acompanhamento médico em Belo Horizonte. Uma vitória que ela comemora em homenagem à mãe, que ela perdeu ainda na adolescência pela mesma doença.
“Ela teve um câncer de útero simples, que poderia ter sido curado, mas Ipatinga ainda não tinha (o tratamento). Então ela vinha para Belo Horizonte. O acesso era tão difícil, mas tão difícil que minha mãe desistiu e morreu. Eu tinha 13 anos de idade”, recorda-se.
Foto: Maria Irenilda/O Tempo
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