Comitê liderado por republicano aliado de Trump e Musk divulga documento em que acusa o judiciário brasileiro de abusos com bloqueios de contas em redes sociais
Deputados republicanos da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos divulgaram na quarta-feira (17) um relatório com decisões de processos sigilosos do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a suspensão ou remoção de perfis do X (antigo Twitter) e de outras redes sociais.
Em nota sobre o documento, intitulado de “O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio do governo Biden: o caso do Brasil”, os deputados falam em “censura forçada” do governo brasileiro contra o X e cita o recente embate entre o bilionário Elon Musk, dono da rede social, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA é liderado pelo deputado Jim Jordan, do Partido Republicano, e que faz oposição ao governo de Joe Biden. A maioria do colegiado é formada por deputados republicanos, apoiados por Elon Musk.
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O documento divulgado quarta-feira afirma que o comitê e seu “Subcomitê sobre o Uso do Governo Federal como Arma” vêm se debruçando sobre como e até onde o Executivo norte-americano tem supostamente coagido, por exemplo, empresas e outros para censurar o que considera manifestações legítimas.
O relatório inclui 88 decisões do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando a retirada de perfis das plataformas – muitas ordenadas pelo ministro Alexandre de Moraes em processos sob sigilo no STF. O documento também diz haver cerca de 300 contas em redes sociais sob o risco de “censura” no Brasil.
Entre essas 300, são citadas as contas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), do senador Marcos do Val (Podemos-ES) e de Paulo Figueiredo, apresentado como jornalista. Bolsonaro continua com seus perfis ativos nas principais redes sociais.
Já Paulo Figueiredo, neto de João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura militar, é um blogueiro e comentarista que usa seus canais para constantes ataques às instituições brasileiras. Prega, entre outras coisas, o fechamento do STF e outras ações contra os Três Poderes semelhantes aos adotados pelo regime militar.
Teve suas contas bloqueadas por divulgar essas ideias, além de desinformação sobre as urnas eletrônicas e outras fake news. Também foi acusado de fazer publicações incentivando os atos de 8 de janeiro. Ele se posicionava a favor da intervenção militar para impedir a posse Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No relatório, os deputados republicanos afirmam que o Congresso dos Estados Unidos precisa agir para proteger a liberdade de expressão. “Os ataques à liberdade de expressão no estrangeiro servem de alerta para a América. Desde o seu compromisso público com a liberdade de expressão, Elon Musk tem enfrentado críticas e ataques de governos de todo o mundo, incluindo os Estados Unidos”, diz o relatório.
Alexandre de Moraes mandou bloquear contas em redes sociais no âmbito das investigações sobre milícias digitais e no chamado inquérito das fake news, que investiga ações para disseminar informações falsas e discurso de ódio, com o intuito de atacar às instituições e a democracia.
Eduardo Bolsonaro publica elogio a Elon Musk
O STF não havia se manifestado sobre o relatório dos deputados norte-americanos até a mais recente atualização desta reportagem.
Na noite de terça-feira, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) publicou vídeo do pai, Jair Bolsonaro, agradecendo a Elon Musk e afirmando ter havido censura no país “antes, durante e depois das eleições”.
duardo Bolsonaro tem mantido conversas com deputados republicanos, inclusive com visitas nos EUA, para, segundo ele, denunciar "censura" e outras "arbitrariedades" no Brasil.
Já o dono do X republicou, em sua rede social, conteúdo de um usuário que falava sobre as contas de redes sociais retidas no país e afirmou que “As ações de censura contra representantes eleitos exigidas por @alexandre [nome de usuário de Alexandre de Moraes] violam a legislação brasileira”.
Musk prometeu, há duas semanas, divulgar ordens de Moraes contra perfis em sua rede social. “Em breve, o X publicará tudo o que é exigido por Alexandre de Moraes e como essas solicitações violam a legislação brasileira”, disse o bilionário no começo deste mês.
No último dia 6, Musk usou o X para acusar Moraes de infringir a Constituição brasileira e promover a censura em decisões judiciais. No dia seguinte, o bilionário escreveu que Moraes deveria renunciar à sua cadeira na Corte ou sofrer um impeachment.
Em resposta, o ministro incluiu o empresário como investigado no inquérito das milícias digitais por “dolosa instrumentalização” do X. O bilionário reagiu, chamando Moraes de “ditador” e afirmando que ele teria Lula “na coleira”. Na segunda-feira (15), Musk voltou a atacar o magistrado, afirmando que ele exige que a sua rede social viole as leis brasileiras.
Na terça-feira (16), Moraes autorizou o depoimento de representantes do X no Brasil. O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso disse, na última quinta-feira (11), considerar os embates com o dono do X “assunto encerrado” e que os desdobramentos do caso se darão no processo judicial.
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Moraes: Antes das redes sociais, nós já éramos felizes e não sabíamos
Na tarde desta quarta-feira, pouco antes da divulgação do relatório dos deputados republicanos, Alexandre de Moraes esteve em uma sessão no Senado Federal. A participação dele não estava prevista. Contudo, ele aproveitou o momento para discursar na tribuna da Casa e alfinetar o debate acalorado sobre a regulamentação das redes sociais: “(antes das redes sociais) nós já éramos felizes e não sabíamos”.
A sessão foi destinada à entrega do anteprojeto que revisa o Código Civil ao presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Em sua fala, Moraes comentava sobre a necessidade da atualização das normas previstas na legislação para que se tornem mais simples e, assim, surjam menos litígios e problemas sociais.
Nesse sentido, ele citou que há necessidade de regulamentação em diversas questões do direito de modo geral e aproveitou para citar sobre a as redes sociais.
"Há a necessidade da regulamentação de novas modalidades contratuais que surgiram, a questão de costumes, novas relações familiares, questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a inteligência artificial, novas formas de responsabilidade civil. Isso é importantíssimo. (Pacheco) lembrou que na virada do século não existiam redes sociais. Nós éramos felizes e não sabíamos (risos). Há necessidade dessa regulamentação, do tratamento da responsabilidade, do tratamento de novas formas obrigacionais”, disse.
Em agosto do ano passado, Pacheco instituiu um grupo de trabalho formado por juristas para modernizar o Código Civil em vigor, que foi instituído em 2002. Durante oito meses, o grupo elaborou uma nova minuta com 2.046 artigos, e entregou nesta quarta-feira o texto ao Senado Federal. A comissão foi comandada pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Foto: Pedro França/Agência Senado
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